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Cleber Barbosa, da Redação
Relembramos hoje uma pesquisa encomendada por nosso Blog ao saudoso jornalista e historiador amapaense Nilson Montoril (*1944 +2023), a respeito dos primeiros exemplares do Jeep Willys a chegar ao Amapá. É um passeio na história do Amapá, do Brasil e, por que não dizer, do mundo. Trata-se de um resgate de [mais] um fato histórico que esse profissional dos mais zelozos do Amapá ajudou a trazer para os dias atuais e, claro, uma forma de reverenciar o inesquecível colega, em forma de homenagear o conjunto de sua obra do jeito que ele mais gostava: contanto uma história com riqueza de detalhes, informações, curiosidades, números e checagens. Boa leitura!
A versatilidade do Jeep (por Nilson Montoril)
Por longo tempo os serviços de mensageiro e de batedor do Exército dos Estados Unidos da América do Norte foram realizados por homens montados a cavalo. As trilhas que os mensageiros e os reconhecedores seguiam eram muito acidentadas e nada recomendadas para charretes e diligências. Posteriormente, estas atividades passaram a ser desenvolvidas por motociclistas. Entretanto, as motos eram do tipo “side car” e tinham limites para transporte de pessoal e material. Interessado em utilizar um veiculo de reconhecimento leve, rápido e capaz de trafegar em qualquer terreno, o Exército norte-americano lançou um desafio a 135 fabricantes de automóveis dos Estados Unidos, expresso em um edital datado de 11 de julho de 1940, nos seguintes termos: a viatura deveria ser fabricada em aço estampado, ter tração nas 4 rodas, capacidade para 3 passageiros, pesar no máximo 600 kg , potência máxima do motor de 40 HP, velocidade máxima de 80 km/h, transportar no mínimo 300 kg e estar adaptada com uma metralhadora de 30 mil. As empresas interessadas deveriam apresentar o protótipo do veiculo 49 dias após o lançamento do edital e entregar 70 viaturas 75 dias após atender a primeira exigência. A empresa American Bantam Car Company foi a primeira a fabricar seu protótipo identificado como MK II, entregando-o ao Exército dos Estados Unidos no dia 23 de setembro de 1940. O pequeno MK II foi submetido a rigorosos testes em mais de 5.000 km de estradas de chão e considerado apto.
A Willys-Overland Company só apresentou o modelo “Quand” em 11 de novembro de 1940. O modelo da Ford, batizado como Ford GP “Pygmy” foi entregue em 23 de novembro do citado ano. Os modelos da Willys e da Ford eram muito parecidos com o MK II da American Bantam Car Company. Por ser arrojado e capaz de trilhar terrenos ingrimes e lamacentos, satisfazendo assim os interesses dos militares, o MK II foi apelidado de General Purpose, alcunha do personagem Eugene do desenho animado Popeye, que fazia sucesso desde 1936, ano de seu lançamento.
O pequeno personagem correspondia a um animal com poder de viajar entre as dimensões e resolver todos os tipos de problemas.
General Purpose significa “fim geral” em inglês e no desenho era referenciado como Gee Pee, nome das letras G e P. Entretanto, no seio da população a letra G era pronunciada como se fosse um J. Assim, o veiculo ficou popularizado como Jeepee, evoluindo para Jeep. No quesito motor o modelo da Willys levava grande vantagem porque tinha 60 HP contra 46 HP da Ford e 45 HP da American. O motor Go Devil fabricado pela Willys podia alcançar a velocidade máxima de 118hm/h e percorria até 38 km queimando um galão de gasolina. Para que o modelo da Willys apresentasse rendimento ainda mais satisfatório, seu motor foi totalmente desmontado e as peças avaliadas uma a uma.
Como forma de conciliar uma forte animosidade que surgia entre as empresas que fabricaram protótipos, o Exército Norte-Americano encomendou 1.500 veículos a cada companhia, perfazendo o total de 4.500 unidades Quando os Estados Unidos passaram a participar da Segunda Guerra Mundial, a partir de dezembro de 1941, a produção de Jeeps alcançou índices bem elevados. A 23 de julho de 1941, o Corpo de Intendência do Exército concedeu a Willys-Overland Motors o contrato para a fabricação de 16 mil veículos do modelo Willys MA.
Este modelo sofreu alterações dando origem ao modelo Willys MB (Mobel B) com a forma com que ficou conhecido no mundo. O carro da Willys ganhou a preferência dos militares, tanto que, no decorrer da Segunda Guerra Mundial, mais de 660 mil unidade do modelo Willys MB Track ¼, 4/4 foram utilizadas nas operações de campanha bélica. Ainda no fluxo de 1941, o modelo MB ganhou grades dianteiras em aço soldado, igual a uma grelha e ficou conhecido popularmente como “Slatt Grill”. Estima-se que ainda rodem pelo mundo cerca de 200 veículos.
Em outubro de 1941, forçado pela grande procura de Jeeps, o governo americano fez um acordo com a Willys-Overland para que ela entregasse a um segundo fabricante o projeto e as especificações do modelo MB, ficando-lhe assegurado o direito de produzir pelo menos a metade das encomendas. O segundo fabricante em questão era a Ford, que a contar do dia 10 de janeiro de 1942, iniciou a produção de 15 mil GPWs. A letra W que figurava no modelo significava “padrão Willys”. Até dezembro de 1945, a Willys e a Ford fabricaram 640 mil Jeeps.
Foram Jeeps deste modelo que a Força Expedicionária Brasileira-FEB recebeu como doação do governo dos Estados Unidos. As tropas brasileiras integraram o contingente do V Exército Norte-Americano durante a campanha da Itália. O número total de Jeeps ¼ toneladas foi da ordem de 655, havendo entre eles 9 ambulâncias. Em 1942, a Willys produziu o Jeep mais prestigiado pelos Exércitos dos Estados Unidos e Inglês, o MB42, considerado o modelo mais clássico.
Base Aérea do Amapá
Após o encerramento do grande conflito, as viaturas que se apresentavam em perfeita condição de uso foram trazidas para o Brasil. Em 1950, a Willys registro a marca Jeep, mantendo-a até 1953, quando a vendeu para Henry J. Kaiser Motors. A Kaiser Motors introduziu no mercado automobilístico os modelos CJ 5 e CJ 6, que foram fabricados até o ano de 1986. Atualmente a marca Jeep pertence à Daimler-Chrysler depois de ter passado pelo controle acionário da American Motors Corporation e da Chrysler.
A Willys-Overland no Brasil
A Willys-Overland do Brasil foi fundada em 26 de agosto de 1952, na cidade paulista de São Bernardo do Campo. Em 1954, a empresa deu origem a produção de veículos com o nome de Jeeps Universal, correspondendo ao Jeep Willys modelo CJ 5, montados com peças trazidas dos Estados Unidos. Do ano de 1957 até 1959, quase todas as partes do veiculo foram fabricadas no Brasil. A partir de 1959, até o motor já era de fabricação brasileira. Em outubro de 1967, a Ford do Brasil assumiu o controle acionário da Willys-Overland do Brasil, herdando as marcas Jeep, Rural Willys, Pick-Up Willys, Aero-Willys, Itamaraty, Gordini e Interlagos. Em 1970, a Ford deixou de fabricar o Jeep e o Aero-Willys. Em 1986, quando a marca Jeep se encontrava sob controle da Kaiser Motors, a linha CJ foi substituída pela linha Jeep Wrangler. Coube a Daimler-Chrysler, em 2002, trazer de volta a marca overland, utilizada no Jeep Grand Cherokee.
A importância dos Jeeps para o desenvolvimento do Amapá
Os Jeeps modelo CJ 5 foram os que mais circularam nas terras do Território Federal do Amapá. Sem ter suas ruas asfaltadas ou calçadas, a cidade de Macapá apresentava aspectos desoladores durante o período invernoso. Em algumas delas até os veículos automotores acabavam ficando atolados na lama. Os primeiros registros oficiais relativos a existência de Jeeps em Macapá datam do ano de 1960, ocasião em que o governo amapaense comprou as primeiras unidades. Até o ano de 1957, o preço de um Jeep era elevado, visto que sua montagem no Brasil ainda dependia da impostação de peças fabricadas nos Estados Unidos. Em 1960, o governo territorial adquiriu dois Jeeps destinados ao Posto Agro-Pecuário de Macapá, na Fazendinha e à Olaria Territorial.
Em 1961, foi comprado um Jeep para a Seção de Produção Animal. Em 1963, o governo territorial possuía 10 Jeeps Willys-Overland: 1 na Secretaria Geral, 2 na Divisão de Produção, 2 na Divisão de Obras, 1 na Divisão de Terras e Colonização, 3 recolhidos a Garagem Territorial aguardando reparos e 1 Jeep recém comprado aguardando destinação. Além deles, havia um Jipão Internacional. Nos anos posteriores a quantidade de Jeeps pouco aumentou. Alguns veículos novos foram comprados para substituir os que não tinham condições de tráfego.
Estes veículos eram mantidos na garagem para aproveitamento de peças. Em 1967, na gestão do General Ivanhoé Gonçalves Martins foi comprado o primeiro Jeep da marca Toyota para uso do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem. Em 1968, outro Jeep Toyota foi adquirido para a Olaria Territorial. Em 1969, a frota de Jeeps compreendia 25 viaturas da marca Willys e 2 da marca Toyota. Neste ano foram compradas cinco unidades assim destinadas; Residência Governamental, Divisão de Educação, Divisão de Saúde, Serviço de Administração Geral e Serviço de Municipalidade. Antes da fabricação do Jeep Willys no Brasil, o veiculo tinha que ser importado dos Estados Unidos. No Amapá rodaram alguns desses importados, todos pertencentes ao governo. Os Jeeps que se destinavam à Divisão de Obras, Divisão de Produção, Superintendência de Abastecimento do Território Federal do Amapá-SATFA, e DNER tinham guincho elétrico na parte dianteira e guincho mecânico na parte traseira.
Devido ao fato de viajarem frequentemente pelo interior do território, trafegando por estradas esburacadas e lamacentas, precisavam do cabo enrolado nos guinchos, com um gancho da ponta, para rebocar ou ser rebocado ou ainda ser içado caso caísse em uma depressão do terreno ou içar veículos que estivessem em situação semelhante. Por ocasião da abertura do trecho da BR-15, atual BR- 156, entre a Base Aérea de Amapá e Calçoene, o único veículo leve capaz de andar pelo campo encharcado da região era o Jeep Willys CJ 5 utilizado pelo empresário Walter do Carmo.
Para vencer um lodaçal existente numa área de campo, onde sequer havia árvores que servissem de ponto de apoio para a atracação do cabo do guincho dianteiro, os operários da estrada de rodagem cortaram centenas de varas, distribuindo-as paralelamente pelo trecho a ser percorrido. O próprio empresário Walter do Carmo dirigiu o veiculo com o sistema de tração das quatro rodas devidamente acionado. Os moradores de Calçoene comemoraram bastante quando o Jeep adentrou na vila. Eles passaram a ter certeza de que finalmente iriam sair do isolamento terrestre, fato concretizado pouco tempo depois.
O ex-vereador Juvenal Canto, que ao ingressar no quadro de pessoal do governo do Território Federal do Amapá foi designado para dirigir um Jeep do Serviço de Geografia e Estatística, conta o drama que viveu porque, acostumado a dirigir motor de popa, não sabia engatar a marcha à ré da viatura. Por esta razão ele sempre parava o Jeep em parte inclinada da lateral da rua. Quando queria sair bastava desengatar o freio de mão. Agiu assim até o dia em que o diretor do órgão descobriu sua peripécia. Acabou sendo transferido para o Serviço de Navegação. O Jeep sempre foi destaque nos desfiles cívicos e militares.
Governadores e Oficiais das Forças Armadas abriam os desfiles em pé dentro do veículo. Em Macapá o procedimento não foi diferente. Porém, o General Ivanhoé Gonçalves Martins preferia cumprir o ritual caminhando na pista do desfile. Enquanto os contingentes estivessem desfilando ele se mantinha em posição de sentido na frente do palanque. Foi no governo dele (1967 a 1972) que os desfiles da Semana da Pátria e da Semana do Território passaram a ser realizados na Avenida FAB. Até 1966, os desfiles ocorreram no trecho da Avenida Iracema Carvão Nunes, entre as duas alas da Praça Barão do Rio Branco.
Um fato muito interessante aconteceu no trecho mais baixo da Rua Cândido Mendes, entre as atuais Avenidas Matheus de Azevedo Coutinho e a Nações Unidas. O perímetro estava sendo aterrado e antes disso só as lambretas e vespas trafegavam por lá. Um sujeito que encheu a cara de cana na Doca da Fortaleza voltava para casa quando duas lambretas passaram por ele tirando um fino danado. O bêbado xingou as genitoras do lambretistas e continuou caminhando. Ao perceber que dois faróis vinham em sua direção estancou no meio da rua julgando que fossem as lambretas retornando para o centro da cidade. Para azar seu, o veículo era um Jeep da Divisão de Obras que fiscalizava o serviço de abertura de valas para assentamento de tubos e expansão de distribuição de água. Para felicidade do motorista a abalroada não causou grandes danos ao “pau-de-cana”.
Viveu muito tempo em Macapá um comerciante cujo estabelecimento tinha o titulo de “Bazar Bandeirante”. Ele possuía um Jeep que tinha luzes coloridas por todas as partes do veículo. À noite, era muito fácil identificar o Jeep do Bandeirante que mais parecia uma árvore de natal ambulante. Quando alguém caprichava na indumentária, o povo dizia que o sujeito estava mais enfeitado do que o jeep do Bandeirante.
Em 1961, quando exercia o cargo de governador do Amapá, o pernambucano José Francisco de Moura Cavalcante, cognominado de “Zé Bonitinho”, julgou que tinha poderes para se intrometer nos negócios da Indústria e Comércio de Minérios S.A.
Numa manhã de sábado Moura Cavalcante usou o Jeep da residência governamental para ir ao porto de Santana verificar se era verdade que a balança usada pela ICOMI para pesar o minério de manganês exportado estava avariada. Ao chegar ao portão da ICOMI encontrou a entrada bloqueada por uma grossa corrente de ferro. Os vigilantes da empresa indagaram o que ele pretendia e o informaram que o ingresso na área da companhia só ocorreria após a identificação do condutor do veículo e a autorização de estâncias superiores. Sentindo-se ofendido, o governador engatou a marcha ré do veículo e investiu contra a corrente, arrebentando-a e danificando a frente da viatura. Foi detido pela vigilância até a chegada do funcionário que exercia as atividades de relações públicas da ICOMI ao local do entrevero. Convencido de sua atitude não se coadunava com a natureza do cargo que exercia, Moura Cavalcante retornou a Macapá jurando que tudo faria para provar que a ICOMI estava sonegando imposto sobre minério. A atitude desrespeitosa do governador lhe valeu uma admoestação do senhor Jânio da Silva Quadros, Presidente do Brasil. Pequeno e ágil, o jeep foi usado no Amapá para trafegar nos trechos mais inóspitos da BR 156.
Às vezes, com carga excessiva, a robusta viatura ligou o interior à capital ajudando a resolver inúmeros problemas. Ainda na fase do Amapá como Território Federal, o engenheiro Azarias Neto, prefeito nomeado do Município de Oiapoque, resolveu colocar um motor de caçamba na parte traseira do Jeep da PMO e transportá-lo para Macapá. A viagem transcorreu normalmente até que o Jeep alcançou um trecho íngreme. Ao tentar vencer o acentuado aclive o Jeep rebolou ladeira a baixo ceifando a vida do prefeito. O Jeep Willys passou a ser vendido em Macapá pela firma Irmão Zagury & Companhia Ltda., capitaneada por Moisés Zagury e Jaime Isaac Zagury, depois que a Ford do Brasil comprou a Willys-Overland do Brasil.
Por: Nilson Montoril http://montorilaraujo.blogspot.com/
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