*Por Antônio Feijão[1]
Há dez anos, precisamente em 28/04/1995, eu ocupava a tribuna da Câmara dos Deputados para falar ao Brasil e ao pouco do mundo que ainda nos relacionamos, sobre a nossa Amazônia. Estava nervoso. Queria dizer tudo sobre a nossa vida cabocla, falar do nosso mundo social, de nossa pobreza, das riquezas etnoambientais, do feudalismo federativo e, principalmente, da realidade que fotografara de nosso mundo amazônico e da lenta e silenciosa corrida da miséria que tem caminhado em direção às nossas cidades e que inexoravelmente se encontraria com a Grande Hiléia de Humbold. O Brasil sempre buscou as riquezas da grande floresta, incentivou a sua ocupação econômica e nunca se preocupou com a dimensão de sua antropia e suas anunciadas e consequentes tragédias socioambientais – borracha, garimpos, questões indígenas, estradas, hidrelétricas, Chico Mendes, Eldorado do Carajás, queimadas, Peter Blake , Irmã Dorothy Stang e muitas outras que virão.
Recentemente, a Ministra do Meio Ambiente anunciou um decálogo de mapas do IBGE/MMA, que segundo os ecolólogos das alcatifas brasilienses, anunciam nossas tragédias ambientais e ignoram nossas realidades sociais. Esses estudos, pouco ou quase nada, se reportam aos graves problemas socioeconômicos de nossa Amazônia. Como me dói, ver pelos estratos gregorianos da mídia, pessoas, políticos, jornalistas e até estudiosos lançarem bulas sentenciais sobre o controle e destino de nossos recursos ambientais (Governança Global), nossa soberania e sem nunca esboçarem uma única preocupação com a nossa sociedade amazônida, ou ao menos nos inserir em seus pensamentos decisões e perguntar-nos, se temos o direito de construirmos o nosso próprio futuro. Sob nossa Pangea Tropical de Natura (a floresta) existe um rico e belo mundo de cultura (a nossa gente).
Há algum tempo atrás, ouvi o Francês Pascal Lamy, que protagoniza a Governança Global sobre a Amazônia; ouvi também as palavras sem alma amazônica, sem propriedade de nossa complexa realidade, do Professor e Senador Cristóvam Buarque, que prega a Gestão Mundializada das riquezas da humanidade planetária, a sua transformação num Grande Condomínio do Planeta Terra, regido por uma soberania tenra local e submetido às regras éticas internacionais. E senti que a nossa cidadania planetária se tornara símplices, diante da inquisitória condenação de nós, amazônidas, pelas tragédias construídas no nosso mundo, muitas delas, plantadas em nosso meio sem nossa permissão ou consulta, comuns nas terras daqueles que nos condenam, como foi o trágico assassinato da Irmã Dorothy Stang.
A nossa miséria local é uma tragédia produzida pela ausência quase criminosa do Estado Brasileiro, pressionado pelo terrorismo econômico global, que silenciosamente age sem ética e sem humanismo. A sorte divina de termos nascidos na Amazônia, já se tornou a peça principal dos autos de nossa sentença, condenando-nos, a uma vida miserável e agora criminalizada pelo julgo vexatório dos Países Ricos e de seus muitos seguidores instalados no Brasil, a maioria, nascida em nossa pátria. Pouco ou quase nada foi destruído na Amazônia pela gente daqui. Somos o endereço fixo, que os precatórios ambientais inquisitórios encontram para legitimar os culpados de uma tragédia, onde somos tão vítimas quanto à natureza. Os autores objetivos desses crimes, na sua maioria, morram foram da Amazônia e, muitas vezes, até do Brasil.
Não podemos aceitar que os nossos recursos naturais, nossa importância no sistema climático internacional sejam compartilhados numa necessidade econômica sem se contrapor, através de uma ética global, uma responsabilidade social planetária que equalize a descompensada relação socioeconômica e ambiental entre países ricos e pobres.
Em Davos, na Suíça, os Países Ricos consideram combater a pobreza, um problema local. Sobre essa ótica nos impõe restrições globais, sobre o acesso aos nossos recursos ambientais. O maior inimigo do equilíbrio ambiental planetário são os desequilíbrios sociais locais. O Governo Brasileiro precisa debater em escala mundial o valor de nossa política de conservação ambiental para a Floresta Amazônica, com a criação de mecanismos permanentes de compensações econômicas globais, em face de nosso esforço de ceder ao mundo, grandes espaços territoriais preservados.
Há quinze anos, a Amazônia Legal tinha pouco mais de dez milhões de habitantes. Naquela época, havia para cada dez habitantes 6 nas cidades e 4 no campo. Hoje, nossa região tem mais de 20 milhões de habitantes e a relação urbano-rural é de oito habitantes nas cidades para dois no campo. A Floresta está menos habitada e mais antropizada. As cidades amazônicas são a gêneses da agonia e do caos ambiental de nossa região. O direito social potencializado pela realidade amazônica não será jamais vassalo de regras incompatíveis com a realidade e sobrevivência das sociedades locais. O nosso País precisa conhecer a Amazônia humana e, finalmente, nos ter (FLORESTA, TERRA E GENTE) como Brasil.
Basta citar, que no período de 2001 a 2006, 258 jovens se suicidaram no Amapá. Dezenas de jovens indígenas Guarany-Kaiowá morreram de fome em Dourados (MS), nos últimos anos. Assim, a pobreza urbana e a miséria rural, de nossos estados amazônicos também precisam se transformar num imenso condomínio planetário e passar a constituir um problema para todas as nações da Terra, em especial para os Países Ricos. Governança Global para a natureza (recursos naturais) mas com geosocialização da miséria humana, nela inscrita.
Desta forma, nós concordamos com a internacionalização da sociobiodiversidade e o fim das fronteiras geopolíticas nos grandes territórios ambientais de nosso planeta. Na Era Mesozóica, éramos um só continente (Pangea) que devido às forças tectônicas, se separaram, dando origem aos atuais Continentes. Na atualidade, as tragédias ambientais e climáticas buscam a definição de uma Pangea ambiental. Não basta só planetarizar a natureza, é mister, integrar ao mundo dos povos ricos, as sociedades emergentes e dos países pobres para constituirmos humanitariamente também, um único continente social (Pangea Social).
O teorismo conservacionista do desenvolvimento sustentável nunca atenderá a agonia social existentes nas cidades amazônicas e nem será um produto acabado, mas uma eterna busca da vaidade humana, que necessita de ética científica e, principalmente, equilíbrio político, para transformar o descontrolado caos social na Amazônia urbana e o seu inexorável cataclismo ambiental no meio rural. Na Amazônia, o desenvolvimento terá como grande desafio encontrar mecanismos conciliatórios que permitam um máximo de benefícios sociais para uma vida estável com um mínimo de danos irreversíveis ao meio ambiente local e planetário. Não há meios e soluções para natureza sem trabalho para suas sociedades inscritas e circunscreventes.
Não somos contra compartilharmos os nossos recursos naturais, nossa importância nos sistemas geoclimáticos, mas queremos essencialmente globalizar nossa realidade social e dividirmos com a humanidade o direito de termos uma verdadeira cidadania planetária.
Não se pode ter a Amazônia como Colônia Ambiental Planetária sem nos ter juntado. Não tem como nos descolonizar de nossa própria existência e história.
ANTONIO FEIJÃO, geólogo e advogado. Ex deputado federal pelo Amapá.
[1] Esse discurso foi feito na tribuna da Câmara dos Deputados em 2009 e faço questão de reproduzi-lo hoje sem retoque e com suas verdades muitas delas reproduzidas hoje (2019) como filmes de época remasterizados.
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