Um dos artistas mais autênticos do país – polêmico também – mas sem dúvida dono de um talento inquestionável e uma voz tida como entre as mais bonitas do Brasil, o cantor Ney Matogrosso fez uma inédita apresentação em Macapá, no Ceta Ecotel. Na véspera de sua apresentação, Ney recebeu alguns jornalistas para um bate-papo, um encontro descontraído em que deu mais detalhes do espetáculo e também falou da vida, da carreira, da Amazônia, sexualidade e, claro da conjuntura política do país, algumas questões exclusivas para a nossa reportagem, acompanhe a seguir.
Cleber Barbosa
Para a Revista Diário
Revista Diário – O mundo da música é sazonal, vira e mexe surge um novo gênero, uma nova tendência, mas sua arte permanece como que meio imune a tudo isso, qual o segredo?
Ney Matogrosso – Eu canto de tudo, tudo. Desde que aconteça dentro de um contexto que para mim seja interessante. Eu não tenho nada contra nada, pop, rock, samba, baião, e até nesse show que estou rodando o país temos uma brincadeira com o funk, que como ritmo para mim é muito interessante, o assunto é que não é muito interessante, mas o ritmo é muito bom, dançante.
Diário – E sobre as outras habilidades que passou a desenvolver em torno da música, como diretor, ator e até assinando a iluminação, como aconteceu?
Ney – Olha, são quarenta e quatro anos de estrada, então eu fui desenvolvendo isso, não tinha a intenção de dirigir, fazer luz, nada disso, eu fui entendendo, e como eu dava muito palpite para o pessoal, os iluminadores, entendi que eu poderia assumir isso. Eu pretendo que a luz seja o espírito do que esteja acontecendo, fiz isso inicialmente com o RPM, com o Chico e depois com o Cazuza, com a Simone, com o Nelson Gonçalves e agora faço os meus.
Diário – Guardadas as devidas proporções, o Ayrton Senna se notabilizou também por discutir com seus engenheiros a preparação dos carros, aliás, era gênio nisso também, usar a técnologia para melhorar a performance.
Ney– É.. Eu acho um pouco demais me comparar ao Ayrton Senna… [risos] Mas tudo bem, que honra!
Diário – Sobre as comparações feitas no começo de sua carreira, na banda Secos & Molhados, e as semelhanças das pinturas no rosto – uma das marcas do grupo – com a famosa banda de rock americana Kiss, quem começou mesmo foram vocês não é?
Ney– O Kiss aconteceu um ano depois de nós. Quando nós estávamos gravando um disco, dois futuros Kiss estavam na casa do Zé Rodrix, isso dito por ele mesmo num programa de televisão, e eles viram uma foto nossa, pois já tínhamos saído numa revista americana, afinal a vendagem do Secos & Molhados já tinha sido muito expressiva, então eles acharam aquilo muito interessante e o Zé [Rodrix] disse que a gente não aparecia sem aquela maquiagem, ninguém sabia quem nós éramos. Bem, depois nós fomos ao México e dois empresários americanos foram pra lá via empresários mexicanos e queriam que eu fosse integrar a banda Kiss, desde que topasse tocar algo mais pesado. Bem, não topei e o que se viu um ano depois foi o lançamento da banda Kiss com as pinturas muito parecidas com as nossas.
Diário – E o porquê das pinturas no rosto afinal?
Ney – As pinturas era para preservar a identidade mesmo, decidi que queria ser artista, mas ter uma vida normal fora dos palcos, pois tinha presenciado uma cena do Roberto Carlos sendo atacado por fãs mais exaltados, ele ficou em pânico, afinal tem um problema físico como todos sabem e poderia até ter caído e se machucado.
Diário – E sobre intolerância, como você observa tudo isso?
Ney – Triste, é preciso saber conviver com pessoas cada uma de um jeito, senão fica todo mundo igual, dentro de uma caixinha, como se repetisse um programa que não sabemos nem quem inventou. Nós não devemos nos submeter a isso, somos seres humanos independentes, capazes, cada um de nós é de um jeito, cada um acredita no que quiser acreditar e cada um de nós tem que se manifestar ao mundo como acredita. Eu penso dessa maneira, sem nenhum tipo de preconceito, sem nenhum tipo de distanciamento do próximo porque somos todos iguais, pois quando chegar a hora vem um raio na sua cabeça e pronto. Eu acabo de perder um grande amigo, novo, veio um AVC que matou ele em três dias. Então não adianta ser bobo, ser preconceituoso, ser vaidoso, não adianta porque a morte vem e te leva num segundo, não perca tempo, sabe? Vamos viver, viver em harmonia, mesmo com essa loucura que é o país hoje.
Diário – E sobre toda essa discussão a respeito de orientação sexual, sexualidade, pra você que atravessou décadas falando disso abertamente, inclusive nos anos difíceis do regime militar vê como toda essa celeuma em torno desse tema?
Ney – É um problema sério sim, pois é um pensamento muito conservador, muito retrógrado, ou seja, o que eu percebo é que parece que a gente caminhou quarenta anos para trás, porque eu já vivi num país muito mais livre, apesar da ditadura, na década de 70, nós éramos individualmente livres para expressar e para viver, viver. E hoje em dia eu vejo que há uma patrulha a todas as liberdades, isso é muito perigoso, porque quando começam a invadir a sua vida particular é um meio caminho para se querer controlar até seu pensamento.
Diário – Agora há pouco você usou a expressão “uma loucura” para definir o momento atual do país, isso claro em relação à conjuntura política não é?
Ney– Sim, não é uma loucura? É uma gente insana, uma gente desatinada, que só quer saber de poder e dinheiro, mais nada, isso é uma vergonha, isso é uma vergonha, sabe? Políticos que só pensam em roubar, só isso.
Diário – E hoje vivemos sob a égide do politicamente correto e toda essa conjuntura política tem feito muitos países darem um passo à direita, na verdade à extrema direita, você teme que isso possa ocorrer também no Brasil?
Ney – Eu não acredito que vamos chegar a isso, mas há uma tendência, um risco, porque vem ocorrendo no mundo. Mas também aqui no Brasil essa questão de esquerda, direita, enfim, também já caiu, não existe mais ideologia partidária, porque quando você observa, quando você olha para o panorama político do Brasil vê que esse negócio de extrema direita, extrema esquerda, centro, estão todos envolvidos com a sem-vergonhice, então não é mais isso, você não pode se guiar por aí, dizer que a esquerda é melhor do que a direita, não, são todos seres humanos, portanto todos falhos.
Diário – O PT por exemplo era tido como um religião no Brasil…
Ney – Sim, sim, e quando chegou ao poder deu no que deu, abriu a porteira.
Diário – Existe um outro lado seu que pouca gente conhece, que é sua ligação com a questão ambiental. Você chegou inclusive a criar uma reserva ambiental particular, é verdade?
Ney – Olha, há muitos anos atrás eu li isso num jornal, que era possível quem tivesse uma área de floresta podia transformar em uma RPPN [Reserva Particular do Patrimônio Natural], então eu liguei para o Ibama me oferecendo, mas fui tão mal tratado, tão mal recebido, que eu disse “escuta aqui eu não estou ligando para pedir nada, eu sou dono disso e estou oferecendo”. Cara, eu levei dez anos para concretizar isso, mas transformei numa Reserva Particular do Patrimônio Natural, que significa que enquanto essa lei existir – e aqui no nosso país tudo pode mudar – não se poderá tocar naquela floresta, ela terá que ser mantida de pé. Eu até posso vender, mas só para quem mantiver exatamente o que é, uma reserva.
Diário – A destinação fica para a preservação não é?
Ney – Isso, para a preservação ambiental. Eu não quero ninguém passeando lá dentro, como até já me sugeriram fazer trilhas para ganhar dinheiro, mas não é isso que eu quero. Não quero ninguém lá dentro, eu só libero para pesquisa. E mais recentemente, coisa de três anos atrás, eu transformei aquilo numa área de soltura de animais da Mata Atlântica, já soltei uns dois mil animais, entre pássaros, psitacídeos, mamíferos, tudo, tudo.
Diário – Virou um Jardim do Éden então?
Ney – Sim… Tá virando uma Arca de Noé… [risos] Porque aquilo ali não é restrito só à minha área né? São florestas que se interligam e que vão embora em direção à Serra e eu solto ali, na entrada, então alguns permanecem morando ali e outros desaparecem na mata, mas a meta é essa mesmo, que eles se embrenhem e vão embora e não ficar ali para eu ficar me divertindo.
Diário – E estando aqui no Amapá, considerado o estado mais preservado do país, mas que já debate a correta utilização dos recursos naturais, o que um artista como você preocupado com essas questões pode deixar em termo de mensagem?
Ney– Olha, eu acho que quem está destruindo está diminuindo a possibilidade de sobrevivência, isso significa no mínimo uma ignorância ao redor do assunto, o que é um pensamento muito pequeno, ou seja, vamos ganhar dinheiro rápido, mas e aí? E os filhos? E os netos? Vão viver onde e de que maneira? Então é uma mentalidade capitalista muito retrógrada no meu entender porque, tudo bem, vamos ganhar dinheiro, mas você tem que cuidar do que você tem, cuidar para que isso dure muito e não ganhar dinheiro agora e sumir com tudo e o resto que se exploda.
Diário – E as pessoas precisam se apropriar disso, o conjunto da sociedade?
Ney – Sim, defendendo isso, defendendo a mata de pé, não vejo outra alternativa, pois estamos vendo o resultado dessa mentalidade com o que já começa a ocorrer no mundo né?
Diário – Pois é, isso parece muito com o que ocorreu já na década de 1980 com o levante que fez surgir várias organizações não governamentais por causa de uma série de acidentes ambientais, não é?
Ney – Sim e que já estão de novo acontecendo, a gente vê imagens chocantes pelo planeta inteiro nesse exato momento.
Diário – Sobre estar no Amapá, no extremo norte do país, o que ficou?
Ney – Agora finalmente posso dizer que cantei do Oiapoque ao Chuí… [mais risos]
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