Cleber Barbosa, da Redação
O Amapá há muito tempo se lamenta pelo fato de não possuir ligação rodoviária com o restante do país. “Para Macapá só se vai de navio ou de avião”, é o que se costuma dizer. Mas um projeto de integração do estado com seus vizinhos da Amazônia está sendo retomado. Trata-se da obra da rodovia Perimetral Norte, a BR 210, que poderá ligar Macapá a cidades como Boa Vista (RR) e Manaus (AM). O entusiasta do projeto é o superintendente do Departamento de Infraestrutura de Transportes (DNIT) no Amapá, Fábio Vilarinho.
Desde que assumiu o cargo, em 21 de novembro de 2013, ele tem se debruçado nos grandes projetos estruturantes, como a pavimentação dos trechos já existentes da BR 210, e a retomada da construção do trecho que falta até atravessar a fronteira com o Pará, daí a denominação de Perimetral Norte. “A Perimetral Norte começa em Porto Grande, pois a BR-210 liga três Estados, que são o Amapá, o Pará e Roraima. Ela foi aberta para se criar um corredor passando por esses três estados para chegar até o Caribe”, explica o executivo.
Ele diz que investir em estradas, especialmente em estados que são isolados do restante do país – como é o caso do Amapá – se constitui em uma das prioridades para o Ministério do Transporte. “Estrada é integração e o Brasil precisa estar integrado, especialmente para esta parte norte, compreendida pela imensa floresta amazônica”, diz.
Desde a paralisação da obra de construção da Perimetral, nos anos 70, muita gente havia se conformado com o fim do projeto, voltando as atenções já nos anos 90 para a possibilidade da estrada e da ponte para o Platô das Guianas. “Que não liga a nenhum estado brasileiro”, pondera o superintendente do DNIT no Amapá.
As controvérsias sobre a obra da Perimetral Norte
A Perimetral Norte foi planejada no auge do desenvolvimentismo econômico do regime militar para cortar a Amazônia brasileira desde o Amapá até a fronteira colombiana no Estado do Amazonas, fazendo parte do chamado Plano de Integração Nacional, o PIN. No Amapá, foi iniciada em 1973 aproveitando os 102 quilômetros já construídos pela mineradora ICOMI (Indústria e Comércio de Minérios S.A) para exploração de manganês em Serra do Navio. Saindo de Macapá, o projeto foi suspenso em 1977 depois de 170 km construídos que hoje terminam dentro da Terra Indígena Waiãpi.
Em Roraima – onde a estrada atende a muitos municípios e comunidades – foram implantados inicialmente os trechos de São João da Baliza até Caracaraí e de lá até o rio Repartimento, seguindo até a Missão Catrimani. Esta última porção foi desativada no ano de 2004 devido a falta de manutenção de pontes e deslizamento de barrancos. Da Missão Catrimani a estrada foi construída até o Posto Indígena Demini, já no Estado do Amazonas.
Ocupação
Emílio Garrastazu Médici, o presidente que um ano antes havia comandado a inauguração da Transamazônica, defendia à época que aqueles investimentos eram para convidar “os homens sem terra do Brasil a ocuparem as terras sem homens da Amazônia”.
A Perimetral Norte cruzava diversos territórios indígenas de povos com pouco ou quase nenhum contato com a sociedade do entorno, cortando uma grande extensão do território Yanomami. Entre 1973 e 1978 os Yanomami sofreram com epidemias que reduziram drasticamente sua população, levando medo e desestruturação a várias comunidades, antes em paz na floresta. Morte, desnutrição, alcoolismo, mendicância, dependência e prostituição foram algumas das consequências dessa empreitada, segundo lideranças indigenistas da época. “Trechos da estrada sumiram, engolidos pela floresta. Os poucos trechos ainda em uso, ficam intransitáveis em todo o período das chuvas. O objetivo era a integração – sem se preocupar muito com a preservação, a bem da verdade”, diz o geógrafo José Alcemar Wolfman, que coordenou um trabalho de pesquisa sobre as grandes obras de infraestrutura do regime militar.
Em Roraima, a BR-210 possui hoje 411,7 quilômetros abertos, saindo do rio Jatapu à Missão Catrimani. Todo este trecho encontra-se asfaltado, embora muitos segmentos em estado crítico de conservação. Conecta as cidades de Caroebe, São João da Baliza, São Luiz e Caracaraí, além de diversas vilas. No seu trajeto roraimense intercepta as rodovias federais BR-174 e BR-432, as estaduais RR-460 e RR-344, além de diversas estradas vicinais que têm a manutenção sob responsabilidade de prefeituras.
Ainda segundo estudos do professor Wolfman, quando os trabalhos de construção da estrada foram interrompidos no final de 1976, o trecho final já penetrava por mais de 30 km a área indígena. A estrada, aliada à uma fiscalização inadequada, abriu as terras dos Waiãpi aos invasores. “Inicialmente caçadores de peles, depois garimpeiros e, mais recentemente, interesses de empresas de mineração, atraídas pelas importantes jazidas de ouro, cassiterita, manganês e tântalo da região”, diz o geógrafo.
Ao mesmo tempo, acrescenta, crescia a pressão nos limites da área, na medida em que as margens da Perimetral Norte vinham sendo ocupadas por serrarias, fazendas e garimpos, alimentados pelos centros urbanos próximos (Serra do Navio, a 90 km da área indígena, e Macapá, a 370 km). As dificuldades de subsistência nas aldeias super povoadas e as mais atingidas pela proximidade da rodovia Perimetral Norte e, consequentemente, pelo esgotamento dos recursos naturais, fez com que muitas famílias voltassem aos sítios de ocupação tradicional, em zonas distantes dos Postos da Funai.
A Funai iniciou seus trabalhos no Vale do Javari, em 1971, em apoio à abertura da rodovia Perimetral Norte, que fazia parte do Plano de Integração Nacional. Para isso, instalou na cidade de Atalaia do Norte a “Base Avançada de Fronteira do Solimões”, criando cinco Frentes de Atração no interior do Vale do Javari. A maior parte delas acabou prestando assistência aos grupos já contatados e, posteriormente, transformaram-se em Postos Indígenas.
TRANSPORTES
Procurado pela reportagem, o engenheiro titular da Secretaria Estadual dos Transportes (Setrap), Odival Monterrozo, diz que as estradas são sim uma valiosa ferramenta de integração de qualquer estado, mas que é favorável a uma ampla discussão sobre o modal de transportes mais adequado para o Amapá. “Sou também da engenharia naval e aqui na Amazônia, nossas estradas são os rios, como se costuma dizer. Mas na realidade, existe uma importante diferença entre o custo do frete rodoviário, para o fluvial e, consequentemente, para o transporte ferroviário”, sublinha Monterrozo.
E ele tem razão. Existem situações como na Transamazônica, que na estação das chuvas inviabiliza o transporte de cargas pela via, levando muitas empresas a utilizarem o trem da Vale do Rio Doce, que faz linha até Carajás, para embarcar as carretas em vagões plataformas, o que além de garantir a chegada ao destino, como na região de Marabá. Também significa uma enorme economia com as despesas rodoviárias. De qualquer forma, o bom é saber que as autoridades estão buscando alternativas para escoar as riquezas que o Amapá já está produzindo.
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